Fabrizio Miliucci sobre a edição italiana de O Arquipélago da Insónia (2013)
Daqui a nada é manhã, e não será manhã nunca. Com esta melancólica pincelada se fecha o [romance] de António Lobo Antunes, O Arquipélago da Insónia, (edição italiana Feltrinelli, 2013), uma perspectiva que tanto se afasta como se aproxima das vicissitudes duma família possidente de Portugal, do avô aos netos. Três gerações para descrever com lúcido lirismo a crueldade duma vida ligada aos instintos primordiais e prevaricadores, feita de vítimas e carrascos que se confundem numa dança espectral e luminosa conjuntamente.
O fresco que o autor oferece vai-se compondo sob os olhos atónitos do leitor por auto-germinação, como se fôssemos convidados por um hóspede mudo a folhear o álbum de fotos duma família desconhecida, e discerníssemos as personagens em imagens amareladas, apanhadas numa paisagem poeirenta e solarenga, enquanto mudam de idade e fisionomia sobre o fundo da velha herdade de família, ao centro deste microcosmo fora do tempo.
Não muito mais é oferecido ao conhecimento do leitor, que se dá por si na vicissitude sem preâmbulos, envolvido em primeira pessoa por uma narração incrível feita só de descrições, fragmentos de recordação, visões, dentro e fora da cabeça de quem conta.
Desde o chefe de família violento e despótico que abusa das servas e maltrata os camponeses, ao feitor cúmplice silencioso e presunçoso, à avó que mata os coelhos com crueldade mecânica, até ao neto autista que observa a sua família do lado de fora, as histórias deste romance entrelaçam-se num jogo de remissões que só a prosa de Lobo Antunes pode ambicionar confrontar sem quebrar a linha duma ficção honesta.
Uma prosa preciosa para a qual porventura o leitor italiano não está de todo preparado, feita também de experimentação com a sua série de frases moídas, palavras truncadas, discursos a meio, aos quais, com certeza, a dificílima tradução para italiano de Vittoria Martinetto teve necessariamente de conceder mais do que o "normal".
O Arquipélago da Insónia é um livro exigente não adequado para fazer companhia debaixo do guarda-sol. A sua leitura cheia de flashes requer a atenção sonhadora do viajante, ou a silenciosa cumplicidade, precisamente, do insone. Os espaços que ele preenche são sempre paradoxais, ou inexistentes. Por isso, na mala de quem se apresta a partir, este romance não terá peso.
por Frabrizio Miliucci
11.07.2013
em Flaneri
[tradução do italiano por José Alexandre Ramos]
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