Sérgio Almeida: «Do peso da solidão ao lugar do vazio» - crítica a O Tamanho Do Mundo

Do peso da solidão ao lugar do vazio

António Lobo Antunes regressa à publicação com um romance assolado pelo desamparo. Em "O Tamanho do Mundo", a narrativa assenta numa multidão de vozes que (re)clama pela atenção devida.


A cada romance - e são já 30 -, António Lobo Antunes faz por erguer um universo ficcional com o qual procura colocar-se continuamente em causa, mesmo que, por força do domínio narrativo extremo, possa aparentar não sair da sua zona de conforto, daí nascendo a redutora visão de que escreve infatigavelmente sempre o mesmo livro.

Em "O Tamanho do Mundo", essa ambivalência é mais uma vez notória, com um fluir narrativo hipnótico que encandeia o leitor por uma atmosfera sombria e não raras vezes desoladora. Mas todo esse desamparo é sublimado pela força extrema da linguagem do autor do recente "Diccionário da Linguagem das Flores", capaz de alumiar até as trevas que tão diligentemente cria nos seus romances.

Um estado de alma em concreto atravessa este romance: a solidão. Omnipresente, ela «mede-se pelos estalos dos móveis à noite». O seu ranger inconfundível faz despertar memórias que nos esforçamos em vão por esquecer, agiganta objetos adormecidos e desperta inseguranças ocultas à luz dos dias.

Dedicado à memória dos seus irmãos João e Pedro («porque toda a vida fizemos chichi juntos, lado a lado, para a cascata do jardim», escreve), "O Tamanho do Mundo" é narrado por um conjunto de vozes que (re)clamam pela atenção devida.

Um velho empresário que se apercebe tardiamente de que os proventos materiais não são garantia de felicidade, muito menos de repouso. A sua filha, a quem as reminiscências de um passado doloroso insistem em provocar danos no presente. A cuidadora, incapaz de exercer a sua atividade sem uma míngua de afetos. O seu namorado, ávido em tirar partido de qualquer benefício que a vida lhe possa dar, ainda que à margem da lei.

Com visões e propósitos muito distintos, cada um destes seres é, afinal, um refém da sua própria condição errática. Esbraceja inutilmente a pedir auxílio perante a indiferença geral, restando-lhe construir um território mental autónomo para que consiga lidar com menor dificuldade perante a voragem do quotidiano.

Nesse inventário anódino de dias que se sucedem com uma indolência assinalável, as memórias são servidas com requintes frequentes de crueldade, como se acusassem surdamente os seus interlocutores pelo esboroar das respetivas existências.



por Sérgio Almeida
em Jornal de Notícias
30.11.2022

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