Santi (blog Un libro al día): opinião sobre Tratado das Paixões da Alma

[nota de tradução: o autor do artigo leu antes deste título O Esplendor de Portugal ao qual faz referência no início deste texto que escreveu num blog, informação aqui ocultada por não ser relevante]

[...] Lobo Antunes pareceu-me [sempre] um muito sério candidato ao Prémio Nobel , ainda que talvez tenha sido prejudicado por ser da mesma nacionalidade de Saramago, pela razão de que ultimamente o Nobel tenta premiar países e culturas diferentes (com a excepção para o Reino unido, que deve ter uma regra especial). 

[...] [Tratado das Paixões da Alma] é um romance tanto similar como diferente de Esplendor de Portugal. O que é similar é a evidente preocupação pela técnica narrativa, a mistura de planos temporais e psicológicos, o retrato da realidade contemporânea portuguesa. Esplendor de Portugal é provavelmente mais denso e mais profundo quanto ao tratamento das personagens e da questão central, que nesse caso se trata dos portugueses retornados durante e depois da descolonização; Tratado das Paixões da Alma contém dois ingredientes que fazem de si um romance mais ligeiro: por um lado, tem uma trama quase que policial que muito atrai o leitor e, por outro lado, contém uma carga forte de humor, com características semelhantes de uma farsa (por exemplo, no episódio em que o homem do ministério fala com a sua mulher semi-nua enquanto o filho destrói a casa a marteladas). 

O início de Tratado das Paixões da Alma faz lembrar ligeiramente Conversa na Catedral [romance de Mario Vargas Llosa]: dois homens de classes sociais disitintas conversam, e através dessa conversa fazem ressuscitar as memórias e os fantasmas remotos. Neste caso, os interlocutores da conversa são um juíz de instrução e um arguido, a quem conhecemos inicialmente como “o Homem” (ainda que depois descobrimos que se chama António e com o apelido Antunes, embora, a tratar-se de elementos autobiográficos no livro, sejam difíceis de confirmar, para além da quinta em Benfica, um bairro que o escritor conhece bem). Os dois, agora antagonistas, partilham uma história comum: a infância em que os papéis estavam invertidos (o Homem era filho do dono de uma quinta ou fazenda que empregava o pai do juíz de intrução como seu caseiro), e o diálogo enhce-se de tensões, censuras, memórias e enganos. 

A partir do primeiro diálogo à porta fechada, inicia-se a trama quase policial, onde acompanhamos o Homem, membro de uma tosca célula terrorista de esquerda, e o Juíz, homem frustrado e desagradado tanto com os terroristas como com as próprias estruturas do poder, de que faz parte, mas como um fantoche. Ambos os protagonistas-antagonistas se vão acumulnado progressivamente de ambiguidades: não sabemos se é o Homem que trai os seus companheiros de célula, ou se é o Juíz que se passa para o lado inimigo dando informações confidenciais ao Homem. 

Com estas tensões, numa trama que se desenvolve com lentidão mas com ritmo constante e a criação de um universo social e político em torno dos protagonistas, Lobo Antunes constrói um romance de grande nível. Há que seguir lendo-o [nos livros posteriores], como A Ordem Natural das Coisas, que continua a trilogia iniciada com este Tratado das Paixões da Alma e que vai acabar em A Morte de Carlos Gardel.


por Santi
11.07.2012
[traduzido do castelhano por Joana de Paulo Diniz]

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