Do leitor Rui Sousa: «Obrigado por escrever para mim»


Caro António,
Obrigado por escrever para mim.
Conheci-o em 1991. Tinha eu 17 anos e devorava livro atrás de livro na biblioteca municipal da minha terra. Biblioteca a estrear, antes até de estrear que a inauguração só no ano seguinte quando um Sr. Politico por lá passou.

No primeiro dia que lá entrei, subi ao 1º andar, e decidi: vou ler a começar daqui (início da prateleira central onde estavam os escritores Portugueses), pelo menos um livro de cada autor.
E assim foi.
Nunca percebi a ordem porque estava organizada a dita prateleira, não era alfabética, não era cronológica, talvez não houvesse ordem.
Comecei na tal ponta. Sempre que acabava um livro passava os olhos pela estante e olhava os seus. Como não olhar? Para um miúdo de 17 anos "Os Cus de Judas" dá nas vistas. Os seus estavam na outra ponta da estante. Apesar da curiosidade respeitei a regra de pelo menos um de cada e antes de chegar a si passei por Júlio Dinis; Antero de Quental; Urbano Tavares Rodrigues; Manuel da Fonseca; Eça; Cardoso Pires; etc etc etc.
Finalmente num dia de verão (recordo-me a T-shirt e a sensação de conforto do Ar condicionado) peguei no "Os Cus de Judas" e instalado na sala ao lado comecei a ler.
Não é fácil explicar o que sucedeu então. A surpresa foi tão grande que não parava de olhar para os lados tentando perceber se de alguma forma era uma partida muito bem preparada que me faziam; a excitação foi tão grande que o conforto do AC desapareceu e ficou calor e frio; o tempo desapareceu; o livro acabou antes de me poder levantar e ainda no mesmo dia comecei as "Memória de Elefante". Como era possível? Aqueles livros eram escritos para mim.
O ritmo das frases, as imagens criadas, a minha forma de pensar, o meu ritmo de pensar.
A partir daí leio cada um dos seus livros. Sempre com medo de um dia aparecer o primeiro que não seja escrito para mim, mas de cada vez que inicio um novo, a nova surpresa de ainda mais "meu ser".
Não que os temas se aproximem da minha vivência, de todo; mas nos seus livros que construímos os dois enquanto os leio eu apareço cada vez mais inteiro, cada vez mais eu.
Obrigado por me ajudar a mostrar-me a mim próprio.


por Rui Sousa
Porto
e-mail de 18.04.2012

Comentários

  1. Não tem que agradecer.
    Eu é que agradeço a publicação do meu humilde texto. A necessidade de contar isto crescia em mim vai tempos, e não me chegaram os ouvidos da minha mulher :)
    Colocando aqui o texto fico mais livre :)
    E tem toda a razão: era tão bom pesquisar em livros; a ida à biblioteca (como fica bem patente no texto) era diária para mim. Sinto falta da solenidade de todos os livros, da sensação de respeito inigualável em qualquer outro sitio para um ateu como eu.

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