Alan Gilbert: Terapeutas maltratados (sobre Conhecimento do Inferno)


É seguro dizer que o romance de António Lobo Antunes, Conhecimento do Inferno, não o tornará convidado para discursar em nenhuma conferência de psicanalistas. Muito do seu livro cativante é um rol vicioso de críticas contra a profissão: «De todos os médicos que conheci, psicanalistas, uma congregação de padres leigos com Bíblia, rituais, e os crentes, constituem a mais sinistra, a mais ridícula, a mais doentia das espécies». A ironia aqui é que António Lobo Antunes trabalha ele próprio como psiquiatria em Lisboa quando não está a escrever os vários romances pelos quais recebeu acalamação internacional (pelo menos nos Estados Unidos) – incluindo, dizem os boatos, ser incluído na lista de nomeados para o Prémio Nobel de Literatura.

Conhecimento do Inferno demonstra as impressionantes técnicas de Lobo Antunes para derrubar as barreiras entre passado e presente, realidade e ilusão. Tal como nos seus romances anteriores, o livro alterna com destreza entre várias personagens, cenários, e momentos históricos, resultando num narrador – uma pouco velada substituição autobiográfica – dividido em «eu» e «ele». A dissociação num sentido ao mesmo tempo cínico e estilístico é um tropo dominante. Enquadrada por uma viagem que dura um dia inteiro, a narrativa consiste numa série de encontros, analepses, e quase-alucinações em torno do trabalho do narrador num hospital psiquiátrico, o seu serviço no início dos anos 70 como médico na guerra colonial em Angola, e diversas memórias da infância e relações anteriores.

Inferno não são as outras pessoas; é o que as instituições fazem às pessoas. Lobo Antunes oscila entre a complacência e a sordidez, mesmo transcrições brutais de quase toda a gente no livro, incluindo ele próprio: «Asilos são nada menos que jardins regados com injecções de fertilizante». Os leitores mais apaixonados abrirão eventualmente sorrisos nos lábios perante o humor perverso e a compaixão que sublinham uma visão negra tão implacável. Este humor dissipa-se parcialmente após a meia-noite, perto do final da viagem depois de parar para uma vodka, altura em que o narrador começa a sentir sentimentos de ternura, especialmente quando pensa na filha, a quem o romance é dedicado. A felicidade pode ser exagerada, mas o futuro que as crianças encarnam leva a visão mais pessimista a dar lugar à esperança.

Knowledge of Hell (Trad: Clifford Landers) acaba de ser publicado nos EUA (18 Março 2008).

Alan Gilbert
18.03.2007
[traduzido do inglês por Gonçalo Figueiredo Augusto]

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