André Matos sobre Da Natureza Dos Deuses em goodreads.com

Enquanto me sento a ouvir as ondas do Guincho, guiadas pela batuta descontrolada de um vento do Norte, vejo as gaivotas a debaterem-se contra tão violenta orquestração. Tão belo o seu rasante voo, tão forte a sua luta. Ao longe a serra. Mais perto, dunas que dançam ao som de tamanha ventania e à minha frente ondas que vão trazendo memórias até aos meus pés. 

Estou envolvido pela natureza. E é na natureza dos deuses que reflicto de que é feito a natureza humana. A ironia da natureza dos homens, é que é auto-destrutiva. E nessa auto-destruição, há sempre uma tentativa de evolução e de aperfeiçoamento. Neste livro existe a dor, o medo, a raiva, o amor, a compaixão, as verdades que dançam com as mentiras, as revelações que são feitas a meia luz, o espectro da morte no canto da sala a fumar cigarros, as memórias que nos picam como cardos. Tudo coisas que nos podem conduzir inevitavelmente a uma destruição iminente. É esta a natureza humana. Somos esse vento que sopra com violência, somos milhões de grãos de areia que formam dunas, somos gaivotas que voam em céu aberto. Somos comboios que nunca partem da estação. Somos pessoas em torres de vigia, fechados do mundo e para o mundo. Somos sem abrigos a quem ninguém estende a mão.

Ler o Da Natureza dos Deuses é como acreditar no amor à primeira vista. Não há explicação. Só o tempo me trará o significado que agora não consigo exprimir totalmente. Este livro somos todos nós em certos aspectos da nossa vida. Nas palavras escritas vejo memórias feitas de mel e vinagre fechadas em gavetas, mas postas a nu. A partir das memórias e das acções concluo o quão complexos somos. O quão fragmentários conseguimos também ser. E do meio da confusão complexa e da instabilidade fragmentária há idas e regressos. E em cada regresso uma nova fuga. E no meio da multidão, tanto silêncio. Em mim, fica a solidão de uma praia deserta, onde cada onda evoca uma memória que eu julgava há muito perdida.


por André Matos
em goodreads.com
10.01.2015

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