Wilton Cavalcante: opinião sobre Ontem Não Te Vi Em Babilónia
[...] curioso como certos episódios não abandonam a gente”
António Lobo Antunes
finalmente, na noite de ontem (29/11/2011), terminei de ler o livro Ontem não te vi em Babilónia, de António Lobo Antunes, são quatrocentas e trinta e cinco páginas pesadas que uma grande amiga me emprestou para eu me divertir nestas férias, não, não, apaguem tudo, tudo não, só o que se fala de páginas e de diversão, é um livro, não são páginas, é melancolia, não diversão
você aí, sim, que está lendo, pode achar estranho o jeito que estou a escrever, mas aprendi (será?) a fazê-lo como Lobo Antunes, que inicia os parágrafos, a não ser o primeiro de cada capítulo, com letras minúsculas, e finaliza os parágrafos sem pontos, e interpõe pensamentos distintos num mesmo parágrafo, e faz um jogo fantástico com a língua
sinceramente, achei muito estranho, no início, chegando eu a não entender várias frases, derivado (esta palavra é frequente) em parte do facto de ele não colocar muitas vírgulas, de tal modo que o próprio leitor, por seu conhecimento, entenda em que parte da(s) frase(s) ela(s) deveria(m) estar
o livro é composto por seis capítulos, cada um com quatro partes, três personagens são fixos: Ana Emília, uma mulher que não consegue esquecer-se do suicídio da filha, a qual contava quinze anos no acto, Osvaldo, um policial reformado que vive atormentado com lembranças do passado, entre elas, sua mãe, seu pai, seu casamento morto, e a esposa de Osvaldo, que, assim como o marido, e todos, remexe as lembranças da vida
como eu havia dito, cada capítulo é composto por quatro partes, mas eu só fiz referência a três personagens
bem, em cada capítulo dá-se voz a um personagem que faz parte das lembranças dos outros três
os nomes dos capítulos são horas, o primeiro, Meia noite, o segundo, Uma hora da manhã, até Cinco horas da manhã, isto é (esta expressão também frequente), os personagens estão acordados, e a exposição das lembranças (somente as que eles querem expor) são feitas ao longo dessas horas
característica marcante do livro é a referência constante à ditadura, também representada em outras obras do escritor
ele foi médico do exército português em África
a parte principal do livro, a emocional, abstenho-me de falar dela a você, leitor, é uma experiência pessoal, forte, arrebatadora, que necessita de silêncio para ser vivida, leitura silêncio, a dor silêncio, o prazer silêncio, a morte silêncio, a vida
também silêncio?
o livro não é fácil
mas, quem quer facilidade são os fracos...
o autor foi laureado em 2007 com o Prémio Camões, o maior da língua portuguesa, e, para mim, entra na lista de grandes escritores portugueses contemporâneos, ao lado de José Saramago e Vergílio Ferreira
como não poderia ser diferente, não abster-me-ei de citar alguns trechos da obra, pouquíssimos comparados aos que eu podia recolher e fazer um livro só para mim:
“em certas noites quando o passado nos vence mesmo que não falemos com ela uma mulher ajuda, há memórias que se movem e nos incomodam por dentro ao trocarem de lugar [...]” (ANTUNES, 2008, p. 270).
“[...] tudo se ausenta de nós com o passar da idade, feições, ideias e domingos no parque, ficam a surpresa o medo, uma pergunta aterrada
− O que foi?
e no caso de respondermos voltam a cara, não escutam, um vinco que não existia a crescer na bochecha, uma prega ou uma veia se é que possuem veias a suplicar
− Não digas” (ANTUNES, 2008, p. 118-119).
“[...] no outono ninguém consegue dormir e no entanto desci um instante no interior de mim quase a encontrar a lembrança do que fui e regressei à tona, [...] por que motivo só algumas fracções do corpo fazem parte de nós e as restantes sem utilidade alguma, incomodando, pesando, celulite, manchas, demasiada pele no pescoço, uma outra voz na nossa voz que nos completa as frases e treme [...]” (ANTUNES, 2008, p. 130).
“os olhos dele vazios e a calva sabedora, sempre temi que nos carecas se vissem as ideias aparafusando-se umas nas outras, soltando molas, vibrando, há relógios assim de mecanismo ao léu e um balançar de volantes, se eu fosse careca os sentimentos à mostra cobertos de cicatrizes e sardas [...]” (ANTUNES, 2008, p. 161).
“[...] o meu pai tirava o boné se passava um enterro e ficava quieto a olhá-lo, o enterro sumia-se na esquina e só então o meu pai o boné na cabeça, se ele agora aqui tirava-o a mim que não acabo de passar [...]” (ANTUNES, 2008, p. 286).
“[...] deviam chover lágrimas quando o coração pesa muito e há momentos, palavra de honra, não se compreende o motivo mas pesa, sente-se dentro o
(ia escrever incómodo e não incómodo conforme não tristeza, não dor, como se traduz isto, não sei)
deviam chover lágrimas quando o coração pesa muito e há momentos palavra de honra que pesa” (ANTUNES, 2008, p. 324).
REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA:
ANTUNES, António Lobo. Ontem não te vi em Babilónia. Rio de Janeiro: Objetiva, 2008.
ANTUNES, António Lobo. Ontem não te vi em Babilónia. Rio de Janeiro: Objetiva, 2008.
30.12.2011
Reta de Vista_
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