João Tunes - opinião de leitura sobre Caminho Como Uma Casa Em Chamas
Mais Lobo Antunes e nós
No último romance de Lobo Antunes ("Caminho como uma casa em chamas", Dom Quixote), o seu sempre igual olhar pessimista de lucidez que primeiro dói e depois nos envolve e aquece porque somos animais de carne quente mas, no caso, com o culminar da maturidade feita obra maior. E tal como aos velhos e aos camponeses, aos escritores maduros também se lhes topam as manhas desde que se saiba dar-lhes a volta ou perceber essas neles. Assim, Lobo Antunes, com a sua cena pessimista, já a poucos "enganará". Ele vai por aí, pelo descarnar das nossas misérias e descrenças, para nos chegar ao osso e ao nervo. E depois, sabichão é o tipo, sabe bem que não temos outro remédio que para sairmos daquele mau estado na fotografia do que voltarmos a nós, que se temos sombras (e temo-las, é claro) é porque não nos falta luz. E, no final (não do livro, mas de cada parágrafo, senão não sobrava fôlego), recompomos as coisas dizendo para nós (e para o escritor): «pois, dás-me um lado porque sabemos, nós e tu, que há outro, o que achas desnecessário mostrar».
Neste romance, obra de mais velho, Lobo Antunes repete o estilo da "escrita incompleta" pronta para ser feita a quatro mãos, ele e o leitor. E só assim se consegue lê-lo. Ou seja, ele como que come nas palavras (aparentemente, sim) para que nós, os leitores, possamos também completar-lhe o livro. Em resultado, ler Lobo Antunes dá trabalho mas premeia, e que bem, o esforço em o ler, levando-nos para dentro do acto literário. Ele não nos dá leituras grátis. Só lhe podemos agradecer por isso. A quem quiser leitura sossegada deixo-lhe uma dica de amigo: parece que o Miguelito (também conhecido como MST) pariu mais um livrito para vender como prendinha de natal.
por João Tunes
em Água Lisa
13.12.2014
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