Assombrado pela literatura
publicada no site Bem Paraná
Ubiratan Brasil / Agência Estado
17.08.2009
Escritor português António Lobo Antunes, que teve dois livros lançados no Brasil, conversa sobre literatura e vida
O escritor português António Lobo Antunes vive assombrado pela literatura. Em um de seus recentes pesadelos, se viu morto e cercado por homens que discutiam sobre sua obra com argumentos muito inteligentes. “Meu desespero estava na impossibilidade de me levantar e dizer: ‘Não é isso! Não quis dizer isso!”, contou, por telefone, desde Lisboa.
Como um dos principais autores em língua portuguesa da atualidade, a incompreensão não parece incomodar Lobo Antunes, uma vez que sua escrita literária está sob constante evolução, notadamente subversiva e radicalmente original. Aos 66 anos, Antunes leva ao extremo a quebra da estrutura narrativa. É o que o transformou em um dos principais convidados da mais recente edição da Festa Literária Internacional de Paraty, em julho. E o que torna ainda mais atraente o lançamento no Brasil de dois livros seus, Explicação dos Pássaros e O Meu Nome É Legião, ambos pela Alfaguara. Trata-se de subversão pura - o primeiro, publicado originalmente em 1981, mescla presente, futuro e lembranças do passado para narrar os últimos dias de um homem que, como um personagem das tragédias gregas, ruma a um destino inescapável. E, em O Meu Nome É Legião, de 2007, as falas, os pensamentos e os atos de diversos personagens se fundem em texto denso, que narra os crimes praticados por oito garotos. Neto de brasileiros, não vem ao Brasil desde 1983, assunto marcou o início da conversa.
Por que você ficou tanto tempo sem vir ao Brasil, já que tem ligações familiares a partir de seu avô?
Avô, bisavô, tataravô... Vivo para escrever, mas, quando aceito convites de viagens, fico sem escrever. E não tenho jeito para promover minha obra. Mas é algo de tradição familiar, pois, meu avô só voltou uma vez ao Brasil. Lembro-me que, criança, esperava ansioso pela volta de algum familiar do Brasil, pois sempre traziam cocadas maravilhosas do Pará.
Como um dos principais autores em língua portuguesa da atualidade, a incompreensão não parece incomodar Lobo Antunes, uma vez que sua escrita literária está sob constante evolução, notadamente subversiva e radicalmente original. Aos 66 anos, Antunes leva ao extremo a quebra da estrutura narrativa. É o que o transformou em um dos principais convidados da mais recente edição da Festa Literária Internacional de Paraty, em julho. E o que torna ainda mais atraente o lançamento no Brasil de dois livros seus, Explicação dos Pássaros e O Meu Nome É Legião, ambos pela Alfaguara. Trata-se de subversão pura - o primeiro, publicado originalmente em 1981, mescla presente, futuro e lembranças do passado para narrar os últimos dias de um homem que, como um personagem das tragédias gregas, ruma a um destino inescapável. E, em O Meu Nome É Legião, de 2007, as falas, os pensamentos e os atos de diversos personagens se fundem em texto denso, que narra os crimes praticados por oito garotos. Neto de brasileiros, não vem ao Brasil desde 1983, assunto marcou o início da conversa.
Por que você ficou tanto tempo sem vir ao Brasil, já que tem ligações familiares a partir de seu avô?
Avô, bisavô, tataravô... Vivo para escrever, mas, quando aceito convites de viagens, fico sem escrever. E não tenho jeito para promover minha obra. Mas é algo de tradição familiar, pois, meu avô só voltou uma vez ao Brasil. Lembro-me que, criança, esperava ansioso pela volta de algum familiar do Brasil, pois sempre traziam cocadas maravilhosas do Pará.
Foi na casa de seu avô que aprendeu a gostar da obra de Monteiro Lobato?
Na casa do meu pai - para meu avô, quem gostava de ler era considerado maricas. Mas, de alguma forma, foi ele quem nos incutiu o gosto pela literatura brasileira: em casa, tínhamos José de Alencar, Aluízio Azevedo (que eu achava muito estranho) e Monteiro Lobato, que me fez admirar o Saci. Também os poetas do século 19, até os considerados de segunda linha como Francisco Júlia, Cruz e Souza. Penso que conheço bem a literatura brasileira.
Na casa do meu pai - para meu avô, quem gostava de ler era considerado maricas. Mas, de alguma forma, foi ele quem nos incutiu o gosto pela literatura brasileira: em casa, tínhamos José de Alencar, Aluízio Azevedo (que eu achava muito estranho) e Monteiro Lobato, que me fez admirar o Saci. Também os poetas do século 19, até os considerados de segunda linha como Francisco Júlia, Cruz e Souza. Penso que conheço bem a literatura brasileira.
Tal conhecimento se explica apenas por motivos familiares?
Não apenas, mas também pelo contato com as pessoas - sempre vivi com um pé no Brasil, outro em Portugal. E, claro, pelo ofício que se tornou a literatura para mim. Já disse inúmeras vezes que não existem poetas melhores em língua portuguesa que Carlos Drummond de Andrade e João Cabral de Melo Neto. Eles são superiores, mas a poesia brasileira é rica em grandes nomes, como Jorge de Lima, Cassiano Ricardo, Sousândrade e Mário Quintana, cujos poemas da fase final da vida são maravilhosos. E o que dizer de Olavo Bilac, hoje tão desprezado? Ele tem de ser lido no contexto de sua época. Não é um poeta para a eternidade, mas tem seu mérito. Recentemente, descobri outro poeta que me entusiasmou: Manoel de Barros. Não me conformo como tal patrimônio é tão esquecido.
Não apenas, mas também pelo contato com as pessoas - sempre vivi com um pé no Brasil, outro em Portugal. E, claro, pelo ofício que se tornou a literatura para mim. Já disse inúmeras vezes que não existem poetas melhores em língua portuguesa que Carlos Drummond de Andrade e João Cabral de Melo Neto. Eles são superiores, mas a poesia brasileira é rica em grandes nomes, como Jorge de Lima, Cassiano Ricardo, Sousândrade e Mário Quintana, cujos poemas da fase final da vida são maravilhosos. E o que dizer de Olavo Bilac, hoje tão desprezado? Ele tem de ser lido no contexto de sua época. Não é um poeta para a eternidade, mas tem seu mérito. Recentemente, descobri outro poeta que me entusiasmou: Manoel de Barros. Não me conformo como tal patrimônio é tão esquecido.
O mesmo acontece com autores de prosa?
Sim. Afinal, quem lê Oswald de Andrade, Raduan Nassar ou Mário de Andrade hoje em dia? Só malucos. Tenho muitas saudades também de Jorge Amado, um dos homens mais generosos que já conheci. Confesso ter mais saudade dele que de sua obra.
Sim. Afinal, quem lê Oswald de Andrade, Raduan Nassar ou Mário de Andrade hoje em dia? Só malucos. Tenho muitas saudades também de Jorge Amado, um dos homens mais generosos que já conheci. Confesso ter mais saudade dele que de sua obra.
Sua admiração pela poesia é tamanha que até inspirou o título de seu próximo livro, Que Cavalos São Aqueles Que Fazem Sombra no Mar?, a ser lançado em outubro.
É uma canção popular do século 19, de camponeses analfabetos da fronteira com a Espanha, que nunca viram o mar. Trata da chegada dos reis magos. Acredito que seja uma das melhores obras que já escrevi.. É cada vez mais difícil escrever, pois temo desapontar os leitores que acreditam em mim.
É uma canção popular do século 19, de camponeses analfabetos da fronteira com a Espanha, que nunca viram o mar. Trata da chegada dos reis magos. Acredito que seja uma das melhores obras que já escrevi.. É cada vez mais difícil escrever, pois temo desapontar os leitores que acreditam em mim.
Mas sua obra é cada vez mais editada no Brasil, ao contrário de anos atrás, quando você reclamava de não ser lido aqui - especialmente por tratar de temas atuais, como O Meu Nome É Legião, ambientado em bairro de periferia de Lisboa, marcado por violência urbana.
É uma história muito simbólica, pois Portugal se transformou em um país de imigrantes: são brasileiros e africanos de antigas colônias. Assim, os personagens são meninos que nasceram aqui, mas não têm nem a África que perderam, tampouco Portugal que não lhes dá nada. Para mim, é também um livro sobre como escrever, em que o fim não interessa como as razões simbólicas, que impõem uma narrativa polifônica. Escrevi sem saber qual seria o destino. O livro é um organismo vivo que me comanda - só me resta, portanto, obedecer. Não é o autor quem escreve os próprios livros, mas algo que existe em nós, em uma região que desconhecemos. Me sinto como um escritor que só encontra no lixo os assuntos que aos outros não interessam.
É uma história muito simbólica, pois Portugal se transformou em um país de imigrantes: são brasileiros e africanos de antigas colônias. Assim, os personagens são meninos que nasceram aqui, mas não têm nem a África que perderam, tampouco Portugal que não lhes dá nada. Para mim, é também um livro sobre como escrever, em que o fim não interessa como as razões simbólicas, que impõem uma narrativa polifônica. Escrevi sem saber qual seria o destino. O livro é um organismo vivo que me comanda - só me resta, portanto, obedecer. Não é o autor quem escreve os próprios livros, mas algo que existe em nós, em uma região que desconhecemos. Me sinto como um escritor que só encontra no lixo os assuntos que aos outros não interessam.
Seriam infundadas as notícias de que você não pretende mais escrever literatura?
Não sei dizer. No ano passado, publiquei O Arquipélago da Insónia e agora, em outubro, oQue Cavalos.... Depois, não sei. Algo está em gestação, mas não sei dizer se é um livro. Ainda não sei qual é o sexo da criança (risos). Enquanto não descubro, trabalho. Nunca penso em publicar, só em escrever.
Não sei dizer. No ano passado, publiquei O Arquipélago da Insónia e agora, em outubro, oQue Cavalos.... Depois, não sei. Algo está em gestação, mas não sei dizer se é um livro. Ainda não sei qual é o sexo da criança (risos). Enquanto não descubro, trabalho. Nunca penso em publicar, só em escrever.
A escrita é um fardo?
De forma nenhuma. Há momentos de prazer intenso, assim como de dúvidas cruciais. Não acredito em inspiração, mas em trabalho - a inspiração só chega quando o livro está pronto.
De forma nenhuma. Há momentos de prazer intenso, assim como de dúvidas cruciais. Não acredito em inspiração, mas em trabalho - a inspiração só chega quando o livro está pronto.
Você se curou de um câncer. Essa experiência vá inspirar alguma obra futura?
Não sei. A doença é uma indignidade, uma resposta mal-educada da natureza. Foi um golpe que me permitiu apreciar coisas que antes não enxergava e, sobretudo, a conhecer pessoas que enfrentam sofrimentos maiores. Mas o câncer me roubou a eternidade, porque todos nos sentimos eternos.
Não sei. A doença é uma indignidade, uma resposta mal-educada da natureza. Foi um golpe que me permitiu apreciar coisas que antes não enxergava e, sobretudo, a conhecer pessoas que enfrentam sofrimentos maiores. Mas o câncer me roubou a eternidade, porque todos nos sentimos eternos.
Agência Estado
citado de Bem Paraná
17.08.2009
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